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Inspeção nacional constata pacientes amarrados e trancados em hospital na Grande Vitória

Postado no dia 7 de dezembro de 2018, às 15:51

Práticas identificadas configurariam tortura. “É uma forma de cuidar maltratando”, disse um dos internados

O Conselho Regional de Psicologia do Espírito Santo (CRP-16) realizou nesta quarta-feira, 5 de dezembro, junto do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), do Ministério Público Estadual (MPES) e do Conselho Regional de Serviço Social do Espírito Santo (CRESS-17), uma inspeção no Hospital Adauto Botelho, atualmente chamado de Hospital Estadual de Atenção Clínica (Heac), em Cariacica, na Região Metropolitana da Grande Vitória, no Espírito Santo.

Esta inspeção foi parte de um esforço nacional coordenado pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), MNPCT, Ministério Público do Trabalho (MPT) e Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) que durante essa semana (a primeira útil de dezembro) visitou mais de 40 hospitais psiquiátricos em 17 estados do País. Esta ação resultará em um relatório nacional sobre a situação destas instituições e recomendações específicas. Trabalho similar ocorreu em comunidades terapêuticas, tendo como consequência a produção deste documento.

Inspeção estratégica. A ação teve início às 6h30, horário estratégico para o acompanhamento dos pacientes na troca de plantão noturno/diurno. Houve resistência à entrada da equipe de fiscalização na instituição, que não recebia fiscalizações não anunciadas há quase quatro anos. Na entrada, a equipe que fez a inspeção percebeu que um dos seguranças patrimoniais do HEAC, ostentava, em seu colete, projéteis de arma de fogo: o que causou estranheza por se tratar de um local de um estabelecimento de saúde.

Entre as irregularidades encontradas estão as contenções mecânicas irregulares, pacientes amarradas/os aos leitos, sem prescrição médica, sem registro em prontuário e por motivos ilegais, o que pode configurar prática do crime de tortura. Há portas, grades, trancas e fechaduras em todos os acessos e para deslocamento interno no hospital. Entretanto, nos banheiros e quartos portas são inexistentes e não há privacidade. E nos banheiros das/os pacientes não havia assentos sanitários nos vasos sanitários. O mofo é recorrente em diversos setores do hospital. Na dispensa de alimentos da cozinha geral, inclusive. Lá há até uma armário com produtos de limpeza ao lado de uma estante com alimentos. “É uma forma de cuidar maltratando”, disse um dos internados à equipe.


As internações são involuntárias em quase sua totalidade. Um dos pacientes relatou ter sido transferido da Unidade de Urgência para a de Curta Permanência contra a própria vontade. Ele desejava alta assim que estivesse estabilizado e liberado da urgência.

Segundo a psicóloga Keli Lopes dos Santos, presidente da Comissão de Saúde do CRP-16, que participou da inspeção, faltam estratégias para se lidar com a crise. “Na ausência de projeto terapêutico da instituição e individual para cada paciente a estratégia que é utilizada é medicar e amarrar. Não existe sequer um profissional de psicologia na Unidade de Urgência que poderia trabalhar outras estratégias para o manejo da crise”.

Além disso, o hospital tem uma enorme sobrerrepresentação de pessoas negras, para as quais há relatos sistemáticos de tratamento diferenciado em relação aos pacientes brancos. Ademais, quase todos os usuários vêm de contextos de pobreza e grande vulnerabilidade.

Foi constatada discriminação em relação às mulheres e, ainda, práticas que tendem à eugenia. Mulheres são obrigadas a utilizar anticoncepcionais injetáveis. Além disso, elas são obrigadas a tomar banho enquanto homens não são incomodados por essa imposição e nem para que façam a barba. Enquanto isso, mulheres são depiladas por funcionárias. Por outro lado, os homens quando querem se barbear recebem aparelhos e podem resolver a questão sozinhos.

Para a conselheira-presidenta do Conselho Regional de Serviço Social da 17ª Região, Pollyana Pazolini, o tratamento diferenciado às mulheres e às pessoas negras reforçam o caráter racista e misógino da sociedade dentro da instituição.

De acordo com os dados apresentados pela instituição, há 49 pacientes internadas/os na unidade de curta permanência, sendo que dessas/es, sete pacientes tem mais de 100 dias de internação e 13 pacientes mais de 45 dias. Isso significa que mais de 40% das/os pacientes internados excedem o tempo previsto para internação na curta permanência (45 dias).

“A internação, quando necessária, precisa trabalhar na direção do fortalecimento de vínculos e da convivência comunitária, de modo que o tratamento extrapole os muros da instituição. Negar ao sujeito, aquilo que lhe é singular, a exemplo: o modo como se veste, o modo como se comunica e se relaciona com o mundo através da linguagem verbal e não verbal, considerando as questões de gênero, raciais, de orientação sexual, etc., produzem ainda mais sofrimento e adoecimento. A contenção física e mecânica como única via possível para o tratamento viola os direitos dos usuários e está em total desacordo com as diretrizes éticas e técnicas da profissão”, frisa a psicóloga técnica da Comissão de Orientação, Fiscalização e Ética do CRP-16 (COF), Ingrid Medeiros Conti.

 

Para a técnica da COF do CRP-16, essas práticas não promovem saúde. “Ao contrário, promovem sofrimento e exclusão, acabando com qualquer possibilidade de um bom prognóstico. O psicólogo, quando inserido nesses espaços, tem o dever de combater práticas que se configurem como violação de direitos e não deve se omitir diante de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, conforme dispõe o Código de Ética da profissão. O objetivo de seu trabalho deve sempre lograr a promoção da saúde e da qualidade de vida das pessoas e das coletividades”.

Foi constatada, ainda, a necessidade de uma fiscalização da Vigilância Sanitária. Destaca-se que o hospital continua registrado no Ministério da Saúde como Hospital Adauto Botelho, sendo reconhecido por HEAC apenas no Estado do Espírito Santo. Diante do encontrado, a equipe concluiu que, apesar da mudança do nome do Hospital Adauto Botelho, que teria se sido renomeado HEAC, o setor psiquiátrico ainda funciona com uma lógica manicomial e asilar. Apenas na ala de atenção clínica observou-se práticas de atenção à saúde condizentes com as diretrizes do SUS.

Reforma Psiquiátrica contra a histórica lógica manicomial 
Historicamente no Brasil o tratamento em saúde mental ocorreu pela lógica do isolamento e na perspectiva da higienização, sob o falso mando do cuidado. Os hospitais psiquiátricos eram o principal recurso para o tratamento dos transtornos psíquicos reforçando esse processo de exclusão. A lei nº 10.216/2001, Lei da Reforma Psiquiátrica, introduziu uma nova configuração da atenção à saúde mental no Brasil, promovendo alterações no modelo assistencial aos pacientes portadores de sofrimento mental e regulamentou as internações psiquiátricas.

A portaria nº 3.088/2011, instituiu a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) no SUS para atender pessoas em situação de sofrimento psíquico, transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de álcool e outras drogas. Os serviços da RAPS devem ter base territorial e comunitária, visando o estabelecimento do vínculo social aos usuários da rede que historicamente foram excluídos e marginalizados.

O CRP-16 tem posicionamento favorável à Reforma Psiquiátrica, ao modelo de assistência a pessoas em sofrimento mental que preconiza o respeito aos direitos humanos, ao combate ao preconceito, à atenção humanizada, ao serviço público de acesso universal e gratuito, além do tratamento em instituições não asilares.

“Com a inspeção ao HEAC foi possível confirmarmos a necessidade de fortalecimento da RAPS no ES, a maior parte dos pacientes internados não são acompanhados pela rede de serviços em saúde mental, se tivéssemos a RAPS funcionando efetivamente em nosso estado não haveria necessidade de tantos leitos hospitalares. Além disso, defendemos que tenham leitos psiquiátricos nos hospitais gerais”, assinala a conselheira do CRP-16, que participou da inspeção, Juliana Brunoro.

Para a psicóloga, o modelo excludente foi mantido mesmo após a inauguração do HEAC, em 2010. “Com os leitos hospitalares no HEAC ocorre a manutenção do tratamento pela lógica da exclusão, tanto pelo histórico do hospital, quanto pela sua localização, estrutura. O tratamento conforme preconizado na RAPS respeita a lógica do cuidado em liberdade, o tratamento sem estereótipos e exclusão. É importante o Poder Público investir no tratamento em saúde mental não só no CAPS, mas também na atenção primária a saúde”, expôs.

Mecanismo Estadual de Prevenção e Erradicação da Tortura no ES
No Espírito Santo, em 2013, foi instituído o Comitê Estadual de Prevenção e Erradicação da Tortura do Espírito Santo (CEPET/ES) e o Mecanismo Estadual de Prevenção e Erradicação da Tortura do Espírito Santo (MEPET/ES -Lei 10006/2013).

O CEPET/ES se encontra em funcionamento com um importante trabalho de acompanhamento de instituições para a prevenção da ocorrência da tortura, contra a violação de direitos e buscando a cessação de práticas de tortura por agentes destas instituições. Embora tenha sido criado na mesma lei o MEPET/ES nunca esteve em funcionamento, pois demanda um aporte de recursos para a contratação de profissionais peritos que têm como tarefa a realização de vistas a instituições, produção de pareceres e relatórios que evidenciem a prática de tortura nas instituições localizadas no ES.

O CEPET/ES é um colegiado composto por representes de entidades governamentais ou não governamentais e tem como umas de suas principais diretrizes o respeito integral aos direitos humanos, em especial das pessoas privadas de liberdade. O CRP-16 possui representação no CEPET/ES, reconhece a importância e apoia a implementação do MEPET/ES.

Crédito das imagens: Luciano Coelho/Ascom CRP-16.

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