Mortes, destruição e prejuízos não são naturais
Seminário mostra o outro lado das tragédias. Catarinense faz relato emocianante e evidencia a ausência do poder público
A importância dos direitos humanos, a necessidade de escutar as vítimas de uma catástrofe, os trabalhos em outros países da América Latina, e um relato emocionante de quem perdeu 14 familiares numa forte chuva foram alguns dos destaques das palestras do I Seminário Estadual de Emergências e Desastres: experiências latino-americanas de enfrentamento à questão.
O evento foi realizado no auditório da Faculdade de Direito de Vitória (FDV) , no dia 25 de fevereiro.
A presidente da Associação dos Desabrigados e Atingidos da Região de Baús, Santa Catarina, (Adarb), Tatiana Reichert, sentiu (e ainda sente) a tragédia ocorrida no município de Ilhota, onde vive.
“Perdi minha mãe e minha irmã, que esperou 14 horas e meia para ser atendida, mas o poder público não apareceu. Ao todo morreram 14 pessoas da minha família. Vivi o lado de quem perde e fica abandonado pelo poder público. E de quem precisa se reerguer”, revelou Tatiana.
Segundo ela, a forte chuva que atingiu Santa Catarina em novembro de 2008 não foi a tragédia em si. “A tragédia não é o acontecimento. A tragédia vem depois. É quando você tem que retornar. É passar a viver sem as perspectivas, sem a segurança e você não tem um poder do Estado que te dê segurança, isso é uma tragédia social”, expôs a presidente da Adarb.
Outro destaque das palestras foi na conferência de abertura do seminário que teve como tema: A Sociologia dos desastres: perspectivas para uma sociedade de direitos. A professora e coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Sociais em Desastres da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Norma Valêncio, destacou em sua palestra a relação entre assistência humanitária e os direitos humanos.
“Quanto mais garantidos os direitos humanos das pessoas, menor será o trabalho da assistência humanitária. Os direitos das pessoas andam em frangalhos. Vai chegar o tempo em que os desastres serão tantos, derivados do quadro de cidadania incompleta, pois quando eles ocorrem se suscitam as falhas das políticas públicas”, analisou Norma.
A palestrante Ângela Coelho, professora do Centro Universitário de João Pessoa, Paraíba, e uma das pioneiras em estudos sobre emergências e desastres no País, falou sobre a interface do tema com as políticas públicas de saúde mental e assistência social.
Ângela mostrou a importância da escuta na atuação do profissional em alguma área atingida. “Já me perguntaram onde o psicólogo deve ficar quando chega a um lugar atingido por um desastre. E eu respondi: onde tem gente. É preciso escutar as pessoas, saber o que aconteceu com elas”, frisou.
O psicólogo chileno Rodrigo Molina encerrou o ciclo de palestras com a conferência A Psicologia das Emergências e Desastres e compromisso social: a experiência latino-americana.
Ele apresentou dados sobre as atividades sísmicas no Chile e mostrou diversas entidades que surgem para elaborarem estratégias de enfrentamento, destacando o potencial do Conselho Federal de Psicologia.
“O CFP é um aglutinador no cenário latino-americano, possibilitando congressos importantes como o Ulapsi (União Latino Americana de Entidades de Psicologia)”, pontuou Molina.
Documento
A presidente do CRP-16, Andréa Nascimento, em suas considerações finais, salientou o valor do seminário promovido em conjunto com o CFP.
“Estou deveras impactada e motivada para continuar com essa discussão, vendo a importância do debate, das discussões promovidas. Vimos aqui um protocolo de ações, ideias surgindo e como este foi e continuará sendo um processo enriquecedor”, destacou Andréa.
Já a vice-presidente do CFP, Clara Goldman, revelou a elaboração do documento: Abandonados por desastres.
“Encomendamos junto da entidade da Norma (palestrante fez a conferência de abertura) o documento Abandonados por desastres que vai começar a ser elaborado, a partir dos trabalhos feitos com comunidades atingidas em Pernambuco, Santa Catarina, Rio de Janeiro e Espírito Santo”, contou Clara, mostrando o objetivo deste material.
“De posse dessas informações, esperamos ter um movimento de luta, de pressão da sociedade organizada para ver como o poder público se relaciona com a situação”, afirmou.