A violência silenciosa que ignoramos
Confira artigo da psicóloga e conselheira do CRP-16 Tammy Andrade Motta em lembrança aos 11 anos da Lei Maria da Penha
Em abril deste ano, Marcos Harter foi indiciado por agressão à Emilly Araújo dentro do reality show Big Brother Brasil.
Apesar de constatada a violação após investigação da Polícia Civil do Rio de Janeiro, o público brasileiro se mostrou dividido entre culpabilizar a vítima e responsabilizar o agressor.
De qualquer forma, o acontecimento que fundamentou a denúncia foi precedido por uma série de abusos silenciosos. Entre ofensas simbólicas e psicológicas, seguimos comprando discursos poéticos que visam amenizar a violência contra as mulheres.
Ainda hoje (7 de agosto de 2017), onze anos após a aprovação da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06), fracassamos em identificar as diversas formas de violência contra a mulher, a exemplo da psicológica.
Apesar de evidenciada na própria Lei e caracterizada de maneira extensiva, parecemos não compreender que, por exemplo, ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, insulto e ridicularização são atitudes de violência.
Esta incompreensão foi demonstrada em pesquisa do Instituto Avon/DataPopular (2013), cuja metade dos homens entrevistados admitiu já ter xingado, ameaçado com palavras e humilhado a companheira em público, mas não considerou necessário denunciar ou chamar a polícia nesses casos.
Isso acontece porque a violência psicológica é naturalizada ao longo de nosso desenvolvimento. Embasados(as) em aspectos biológicos, determinamos papéis de gênero a partir do nascimento, nutrindo expectativas sobre ser homem e ser mulher.
Propiciamos o desenvolvimento da agressividade nos homens, que, na tentativa de manter os padrões de gênero impostos, negam a existência da própria vulnerabilidade e constroem suas identidades diferenciando-se de quaisquer aspectos do “feminino”.
As tensões resultantes desse processo são consolidadas nos discursos e piadas sexistas que tornam socialmente aceitáveis a intimidação, culpabilização e desqualificação da mulher.
Como consequência, internalizamos o medo e a vergonha que provocam em nós um estado quase anestésico de aceitação da suposta condição de inferioridade. “Aceitamos” as agressões cotidianas porque aprendemos a justificá-las.
Em tempos de “escola de princesas”, seguimos na tentativa de desnaturalizar os estereótipos de gênero na busca pela igualdade de direitos.
Assim, provoco-lhes: Qual a sua responsabilidade na perpetuação da violência contra a mulher? É hora de buscar identificar as mais sutis formas de opressão que produzimos diariamente e que contribuem para a manutenção desse quadro.
Artigo da psicóloga e conselheira do Conselho Regional de Psicologia do Estado do Espírito Santo (CRP-16) Tammy Andrade Motta.
*Com edição da Assessoria de Comunicação do CRP-16.