Envelope laranja e branco Impressora laranja e branca Mapa do Site Tamanho da Fonte Ícone de + para aumentar a fonte Ícone de A para retornar à fonte padrão Ícone de + para diminuir a fonte Contraste Ícone habilitar contraste Ícone desabilitar contraste
Logo do Conselho Regional de Psicologia

A tragédia nos presídios brasileiros é resultado de uma política de encarceramento e da “guerra às drogas”

Postado no dia 25 de janeiro de 2017, às 15:58

É preciso repensar esse modelo para que o encarceramento, que encontra respaldo no discurso hegemônico e ressonância na sociedade assustada por conta da midiatização da violência, não seja a regra na punição aos delitos

presidio_sem_texto

Os massacres registrados no início de 2017 em presídios de três estados brasileiros deixaram um saldo de 115 mortos. Os episódios são as feridas mais expostas do sistema carcerário do país que está mergulhado numa profunda crise que tem como panos de fundo a chamada “guerra às drogas” e a política de encarceramento adotada nos últimos anos. Foram 26 mortos em Nísia Floresta, região metropolitana de Natal, no Rio Grande do Norte; 56 em Manaus, Amazonas; e 33 em Boa Vista, Roraima.

O Brasil subiu um degrau entre os países que mais prendem a sua população no mundo e agora ocupa a terceira colocação. A Rússia, tradicional ocupante dessa cadeira, foi desbancada pela política equivocada do estado brasileiro que nos coloca atrás apenas de Estados Unidos e China, primeiro e segunda colocada, respectivamente.

Os legisladores e o Judiciário brasileiros têm dificuldades para definir soluções que não sejam o encarceramento dos cidadãos que desrespeitam as leis. Isso faz com que tenhamos um número de pessoas presas que não corresponde às vagas disponíveis. Há presídios com até 800% mais presos que a sua capacidade e os direitos previstos na nossa Lei de Execução Penal são desrespeitados. Há um paradoxo evidente nas ações de um estado que prende pessoas por descumprirem a lei, mas que não cumpre a lei que normatiza essas prisões.

É preciso repensar esse modelo para que o encarceramento, que encontra respaldo no discurso hegemônico e ressonância na sociedade assustada por conta da midiatização da violência, não seja a regra na punição aos delitos. Para isso há urgência na promoção de mudanças na gestão da chamada “guerra às drogas” rediscutindo o modelo que relaciona entorpecentes com prisões. Não teremos um bom modelo se não discutirmos com clareza outras formas de responsabilização pelo uso abusivo e pelo tráfico de drogas no país, incluindo os processos de legalização de algumas delas.

O medo que toma conta da sociedade resulta no desejo do extermínio e morte dos que cometem crimes. O desejo de vingança referenda a política de encarceramento que funciona como uma forma de organização do estado. A sociedade trata essas pessoas como não humanas e elas acabam por dar respostas condizentes com o tratamento que lhes é ofertado. São muitas vidas que nunca foram vividas e por isso sequer lamentadas.

Facções

A Lei de Execução Penal, caso fosse cumprida, resolveria grande parte dos problemas. Ela prevê um modelo de individualização da pena, o que não acontece hoje no Brasil. Esse modelo pensa o tratamento penal de maneira singularizada, em que cada preso é um preso, cada história é uma história. A Psicologia tem muito a contribuir nesse ponto, pois está entre os principais saberes que podem auxiliar na construção de uma política em que o sujeito, e não o isolamento social, é o foco da responsabilização por um crime. A individualização da pena deve vislumbrar o contexto social e pessoal, colaborando para a organização de repertórios mais construtivos para quem cometeu o crime, bem como para a sociedade, o que cumpriria uma função social e não um desejo de vingança.

A Psicologia pode contribuir nas medidas de responsabilização, sejam elas a prisão ou outras alternativas em meio aberto, no desenvolvimento das relações, na garantia dos Direitos Humanos e para a redução dos espaços de segregação, que apenas atendem aos anseios por vingança, pensamento ainda dominante na sociedade. É preciso considerar a realidade pessoal e os antecedentes criminais antes de promover a divisão dos detentos em uma penitenciária. Mas no Brasil o critério é o envolvimento com facções. O estado brasileiro referenda o modo organizativo delas. A grande maioria dos presos está nos presídios por questões menores, ligadas a crimes contra o patrimônio. Esse grande contingente não está organizado em facções, mas parte dele passa a atuar em facções, tendo seu recrutamento facilitado pelo Estado, pois é ele que propõe como modelo para a separação dos presos a atuação ou suposta atuação ou ligação com essas facções.

Isolamento

O desejo pelo encarceramento no Brasil não é voltado apenas para criminosos, mas para todos os que são considerados não produtivos, o que se reflete no desejo de isolamento da loucura, dos usuários de drogas, dos idosos em asilos e nas tentativas de redução da maioridade penal. É preciso pensar no valor da vida para além do seu aspecto produtivo, assim como frisar que não há desenvolvimento do indivíduo se ele está isolado da sociedade. Colocar uma pessoa que cometeu um crime junto a outras que lidam com a vida de maneira semelhante a ela, em que práticas violentas e o descumprimento das leis são um recurso, não contribuirá para a sua reintegração.

No Brasil, 40% dos presos são provisórios, ainda não foram condenados. Essas pessoas foram arbitrariamente presas e muitas delas serão absolvidas. Não somente prendemos pessoas demais, mas prendemos quem não foi considerado culpado. Esse índice não encontra respaldo internacional. As prisões precisam ser exceção.

Não há nenhum estado brasileiro que não esteja nessa situação. O fato de não ocorrerem rebeliões em uns e isso acontecer em outros não isenta o sistema dos problemas onde os motins não ocorrem. Recebemos com muito estranhamento a fala do presidente Temer que classificou o episódio em Manaus como acidente. O massacre foi uma tragédia mais que previsível, anunciada. O Estado do Amazonas está sendo responsabilizado via ação judicial no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo massacre em Manaus. O Conselho Federal de Psicologia (CFP) se constituiu como amicus curiae, amigo da corte no processo, com a função de produzir argumentos para os ministros tomarem decisões.

A Psicologia tem muito a dizer e contribuir na tomada de decisões sobre o sistema carcerário no Brasil e nos apontamentos de medidas que possam reverter a lógica encarceradora da política atual. A Psicologia deve lutar pelo fim da violência nas práticas de privação de liberdade, sejam elas perpetradas pelo estado ou entre apenados, mas também deve lutar pelo respeito à dignidade humana e pelo fim da segregação, pois o que é feito para excluir, não pode incluir.

Os comentários não refletem a opinião do CRP-16 sobre o assunto e são de inteira responsabilidade de seu autor, que poderá responder à Justiça caso cometa injúria, calúnia, difamação ou agressão a outrem e a esta autarquia, conforme os Termos e Condições de Uso do site.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

...