A intolerância nos tempos de cólera
No dia 21 de janeiro a sociedade escolheu comemorar a tolerância religiosa. Momento para uma reflexão séria sobre como as religiosidades e as muitas maneiras de exercer a espiritualidade podem aguçar o abraço acolhedor da universalidade e da aceitação das diferenças
Por mais que o amor de Gabriel Elígio e Luiza tenha se perpetuado justamente pela criatividade comunicadora do telegrafista do romance de Garcia Marques, nossa sociedade tem se tornado cada vez mais intolerante justamente pelas mesmas vias das redes abusivas de uma comunicação que demoniza o outro.
Presenciamos verdades sendo fabricadas com uma velocidade espantosa, e não que exista incoerência entre esses artefatos culturais e os fatos, mas a necessidade de afirmação grupal faz com que aspectos de verdade tornem-se algo verdadeiro. As pessoas em nossa sociedade têm se apropriado da ideia de defesa de um grupo e emitem suas opiniões sobre os cacos dessa verdade.
A política, por exemplo, se tornou um fronte de guerra, e quando uma notícia é apresentada logo surge um campo frenético de emissões de verdades que são mais semelhantes aos dogmatismos. Os inimigos dessas verdades construídas, antes afastados em outro país, numa ideologia política distante, ou num grupo econômico invisível, estão cada vez mais próximos. Eles estão entre os familiares do grupo do WhatsApp. Os tolos agora são nossos vizinhos e colegas de trabalho.
A informação é cada vez mais fluida e apodrecida em corpos cada vez mais rígidos. O mito da democracia racial no Brasil, por exemplo, é cotidianamente desmascarado pela violência do racismo. Os apedrejamentos em praça pública foram substituídos pelo bullying escolar. A violência de gênero é aplaudida como ao final de um espetáculo circense.
No dia 21 de janeiro a sociedade escolheu comemorar a tolerância religiosa. Momento para uma reflexão séria sobre como as religiosidades e as muitas maneiras de exercer a espiritualidade podem aguçar o abraço acolhedor da universalidade e da aceitação das diferenças. O fundamentalismo não é exclusividade de um grupo religioso distante e armado. Ele tem estado cada vez mais próximo, e pode ser visualizado na forma de preconceito e discriminação. Quantos são os aprisionados na exclusão? É tempo de libertação, reflexão e tolerância.
Diemerson Saquetto, doutor em Psicologia e presidente do Conselho Regional de Psicologia (CRP-ES)