Após roda de conversa, estudante de Psicologia se opõe à redução da maioridade penal
Debate “Análise Crítica sobre a Redução da Maioridade Penal: que discursos estamos ‘financiando’?”, promovido pelo Crepop do CRP-16, ratifica que diminuição da idade penal não é a solução
Era a última sexta-feira do sexto mês do ano. E o estudante de Psicologia Pedro Paulo Reis dos Santos, do alto dos seus 50 anos de idade, mudou de opinião. Naquele dia 26 de junho de 2015, ele passou a ser contra a redução da maioridade penal. O que aconteceu para isso? Pedro Paulo se dispôs a ouvir.
Naquela sexta, ele participou da roda de conversa “Análise Crítica sobre a Redução da Maioridade Penal: que discursos estamos ‘financiando’?”, realizada pelo Crepop do CRP-16, na Biblioteca Pública Estadual, em Vitória.
Após as exposições dos palestrantes, os participantes puderam fazer perguntas e intervenções. Foi aí que Paulo revelou a todos que a roda de conversa o fez mudar de opinião.
“Vim aqui para ver o que poderia ter (de argumentos) contra o que eu pensava. E o que ouvi aqui me fez desconsiderar (a opinião que ele tinha, baseada no discurso midiático pró redução)”, revelou o estudante.
Após sua declaração, estudantes e psicólogas/os presentes prestaram uma salva de palmas. Para corroborar com o deleite alheio, a conselheira do CRP-16 responsável pelo Crepop, Andréa Nascimento, ratificou o porquê de o Conselho e da militância da área promover debates assim.
“É por isso que não desistimos de fazer esses eventos, mesmo diante de uma realidade adversa para a causa que defendemos”, frisou Andréa que fez a mediação da roda de conversa, que não iria acontecer naquela sexta, 26 de junho.
A conselheira explicou que o Crepop/CRP-16 resolveu antecipar a roda de conversa (para o dia 26 de junho) para que o debate antecedesse a votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 171/1993, que previa a redução da maioridade penal de 18 para 16 para determinados tipos de crime.
A Câmara dos Deputados votou a PEC na sessão do dia 30 de junho (terça-feira). E a madrugada do dia 1º de julho (quarta) trouxe a surpresa: 303 deputados votaram a favor da redução. Mas a PEC não foi aprovada, pois precisava de 308 por se tratar de emenda à Constituição. No entanto, no decorrer daquele primeiro de julho, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, fez uma manobra e, com algumas alterações, a proposta foi aprovada no apagar das luzes da sessão, que terminou no início da madrugada da quinta-feira, 2 de julho.
Debate
O debate da roda de conversa “Análise Crítica sobre a Redução da Maioridade Penal: que discursos estamos ‘financiando’?”, que apresentou os argumentos que levaram Pedro Paulo a mudar sua opinião, teve a colaboração de profissionais do Direito, do Serviço Social e da Psicologia.
Os debatedores foram: o integrante da Comissão de Direitos Humanos da OAB-ES, o advogado Cássio Rebouças; a assistente social, professora e presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (Criad), Elisângela Marchesi; e a psicóloga do Iases (Instituto de Atendimento Socioeducativo do Espírito Santo) e membro do GT de Socioeducação do CRP-16, Marina Bernabé.
A psicóloga destacou que três anos (tempo máximo de privação da liberdade previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente – Ecriad) são “mais tempo” na vida de um adolescente do que de um adulto, apontando que o período previsto pelo Ecriad é o suficiente.
Além disso, Marina apresentou dados (do Ipea/Ministério da Justiça) que indicam que os adolescentes são, na verdade, vítimas. Diferentemente do discurso do senso comum, amparado pela grande mídia, que os coloca como ‘bandidos perigosos’ à revelia da própria realidade socioeconômica do Brasil.
“O ES é o terceiro Estado do País que mais interna adolescentes. E mais de 60% deles são negros. E desses, 51% não frequentavam escolas e 66% são de famílias extremamente pobres. Ser jovem, pobre e negro neste País é sinônimo de ser perigoso?, questionou a psicóloga.
Outro ponto abordado por Marina foi que as/os psicólogas/os devem sempre discutir a questão. “(De acordo com o Código de Ética profissional,) não nós é facultado não fazer esse discurso”, ressaltou.
Ela ainda frisou a importância do posicionamento em torno do debate, seja ele profissional ou cívico. “É preciso se posicionar enquanto categoria, enquanto profissional e enquanto cidadão também”, disse.
Ecriad é para todos. A presidente do Criad-ES, a assistente social Elisângela Marchesi assinalou que o Estatuto (Ecriad) “vem para todas as crianças e todos os adolescentes. Ele está disponível para todo mundo, para garantir uma proteção ao ser psicossocial. Não é para prender bandido”.
Ela ainda criticou a forma como a mídia diferencia o jovem pobre e o da classe média. “O adolescente (que se envolve em algum conflito) num baile funk, é levado para delegacia. E isso não acontece com um jovem da classe média (ao se envolver em conflito em alguma festa). O jovem pobre é o culpado (pelo ato infracional). Já o jovem da classe média, a culpa é da família. Será que ele (jovem pobre) nasceu de chocadeira”? criticou.
“Internação é eufemismo”. Embora os índices de reincidência da socioeducação sejam bem inferiores ao do sistema prisional, os arautos favoráveis à redução da maioridade penal defendem que as punições previstas pelo Ecriad e as unidades de internação não são ideias para ressociabilizar os adolescentes em conflito com a lei. Porém, o advogado Cássio Rebouças parece não concordar com o termo: ‘unidades de internação’.
“Internação é eufemismo, eles estão presos”, cravou. “Basta entrar na unidade socioeducativa para ver que ela é a mesma coisa que cadeia: tem grade, tem tortura, tem algema da mesma forma. E foi por esse motivo que fomos réus na Corte Interamericana de Direitos Humanos”, lembrou.
Para o advogado, se o foco da redução fosse de fato diminuir a violência nem haveria debates contrários à PEC 171.
“O que se propõe (na PEC 171) é sempre com a ideia de diminuição de violência. Se a redução (da maioridade) fosse resolver o problema do País, nós não estaríamos aqui falando contra. Parece-me que tem gente que é enganada a esse ponto em achar que para um problema tão complicado existe uma solução tão simples”, analisou Rebouças.