Debate “Viabilizar para Visibilizar: políticas trans” marca as atividades do CRP-16 em lembrança ao 29 de janeiro
O Dia da Visibilidade Trans (29 de janeiro) foi marcado por um rico debate, promovido pelo CRP-16, em uma mesa que teve como tema “Viabilizar para Visibilizar: políticas trans”. O evento aconteceu no dia 31 do mesmo mês, no Auditório Rosa Maria Paranhos, no campus da Universidade Federal do Espírito Santo de Maruípe, em Vitória.
A mesa foi marcada por muitas críticas voltadas para setores instrumentos das políticas públicas, como é o caso dos estabelecimentos de saúde que ofertam o processo transexualizador, perpassando pelos estudos da própria academia, enraizados numa cultura colonialista, chegando até a denúncia do recolhimento, por parte do governo federal, de uma cartilha voltada para os homens trans, confirmando que as pessoas trans – e a comunidade LGBTI, tem muito trabalho pela frente para promover a sua emancipação e descolonização dessas práticas que estão presentes.
“As experiências bichas, sapatões, e travestis nos últimos anos têm sido mortificadas não apenas por médicos, policiais e psicólogos, mas também por acadêmicos que permitiram ser colonizados pela Teoria Queer. As academias continuam covardes, preguiçosas e antiéticas. E têm conduzido processos educacionais referenciados apenas em experiências ocidentais vividas fora do sul global. Traduzem as existências ‘pajubeiras’ para palavras estrangeiras que até o próprio pajubá já atribui um novo significado! Antes das embarcações Queer chegarem em terras brasileiras com seus gêneros, nesse território já aconteciam as bicharias, sapatonices e as travestilidades. O modo que os estudos Queer foram importados, inaugurou um novo trauma colonial no Brasil! E é responsabilidade da comunidade LGBTT criar estratégias de descolonização e emancipação”, assinalou Castiel Vitorino Brasileiro, estudante de Psicologia da Ufes.
Em sua fala, Castiel também abordou a questão racial. “O racismo brasileiro cria ‘ficciones’ origens, e nós bichas viemos de um lugar distante, impuro, perigoso, sujo e delicioso. Somos marginais dentro e fora dos núcleos LGBTTs. Parafraseando a Jota Mombaça: Somos uma legião de pessoas negras, mas em nós carregamos diferenças imensas. E reafirmo: Somos uma legião de pessoas não-cisgeneras. Mas em nós carregamos diferenças imensas”, pontuou.
Após a fala de Castiel, a psicóloga da Comissão de Gênero e Diversidade Sexual do CRP-16, Júlia Santigliani Pires teceu críticas ao processo transexualizador. Antes, expôs as dificuldades de ser mulher trans, salientando a questão do racismo também, lembrando que por conta dele (do racismo) a situação é pior para as mulheres trans negras, bem como para homens trans e bichas negras.
“A partir de a pessoa estar inserida no processo transexualizador, ela se torna um objeto de estudo. Não uma paciente. A realidade é esta: de ser um objeto de estudo. Precisamos questionar como estão olhando as pessoas trans e na qualidade desse atendimento. O mais importante do atendimento é o acolhimento. A partir do momento em quem me percebi trans, eu já era mulher. E para o processo transexualizador? São os professores que vão decidir por mim? Depois de eu me rebelar contra todo esse sistema de repressão? São eles que vão decidir?”, questionou.
Outro palestrante, Carlos Eduardo Medeiros de Melo, o Cadu, representante do Ibrat (Instituto Brasileiro de Transmasculinidade do Espírito Santo), também abordou sobre a questão do processo transexualizador, que é oferecido no Hospital Universitário Cassiano Antonio Moraes (Hucam), localizado no campus da Ufes de Maruípe.
“A demanda tem sido muito alta e é preciso que haja outros espaços para tratar dessa alta demanda, como em unidades de saúde, e com olhar na questão do acolhimento (como a Júlia falou), pois isso é muito importante”, acrescentou.
Cadu abordou ainda sobre a importância da/o psicóloga/o na vida das pessoas trans, ressaltando que a profissionais que às vezes se recusam atender pessoas trans por às vezes duvidarem se o podem fazer. Mas ele mostrou que a questão é complicada para as próprias pessoas trans, inclusive.
“Ninguém nasce sabendo. Me reconheci como homem antes de me reconhecer como pessoa trans. Nas escolas: filinha das meninas, filinha dos meninos, e as pessoas trans não sabem onde se encaixam. Certo dia, minha psicóloga me perguntou: ‘O que é ser homem?’ E o que é, né? É ser machão, cuspir no chão? E não é isso. Vi que a resposta para a pergunta é: ser homem é ser humano, tendo todos preconceitos que temos no dia-a-dia. Ainda bem que massifiquei esse pensamento, de me questionar: ‘Que tipo de ser humano que estou sendo’”?, analisou.
O debate foi mediado por Marcos Vinicius Cordeiro, da Coordenação Estadual de Políticas para Diversidade Sexual e de Gênero.
Denúncia
O representante do Ibrat fez uma denúncia durante sua fala. Ele apresentou uma cartilha, produzida pelo Ministério da Saúde, que foi retirada do ar, um dia após a posse do presidente Bolsonaro. Segundo ele, alegaram falta de informações.
Em breve mais informações.