CRP-16 entrevista: “Não existem mais pacientes internados pela Sesa/ES em Comunidades Terapêuticas”
Isso desde novembro de 2018. Informação é da psicóloga da Área Técnica de Saúde Mental da Secretaria. Confira outras questões respondidas pela profissional, que participou do lançamento do Relatório de Inspeção Nacional em Comunidades Terapêuticas, realizado pelo Conselho em Vitória
A psicóloga da Área Técnica de Saúde Mental da Secretaria de Saúde do Estado (Sesa) Nathalia Borba Raposo Pereira, em entrevista ao CRP-16, explica as ações da pasta sobre as internações compulsórias no Estado. Segundo ela, um dos trabalhos foi a extinção das internações nas Comunidades Terapêuticas.
“Desde novembro de 2018 não existem mais pacientes internados pela Sesa em Comunidades Terapêuticas. No entanto, observamos que alguns municípios do estado ainda fazem internações involuntárias/compulsórias nesses estabelecimentos”, explica.
Pereira ainda destaca que as internações compulsórias vêm aumentando no Estado. Segundo dados repassados, em agosto de 2018, já haviam 931 mandatos. A psicóloga explica que as internações são um cumprimento judicial, já que, não cabe a Sesa internar uma pessoa, mas sim fornecer o leito e o tratamento.
Segundo a psicóloga, o gasto com as internações compulsórias em saúde mental fica em torno de R$ 30 milhões ao ano. O investimento inclui serviços em leitos de saúde mental em hospitais gerais, profissionais de saúde mental, Centros de Atenção Psicossocial (Caps), Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), entre outros.
No dia 26 de novembro de 2018, a técnica participou do lançamento do relatório da Inspeção Nacional em Comunidades Terapêuticas. O evento aconteceu na sala 406, do ED 4, no campus de Goiabeiras da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), em Goiabeiras, Vitória.
Veja a entrevista com a psicóloga da Área Técnica de Saúde Mental da Sesa:
CRP-16. Em sua fala, no evento de lançamento do relatório da inspeção nacional em comunidades terapêuticas, você disse que o Estado, de 2014, estava vivendo um aumento da internação compulsória.
Isso aconteceu por quê? O Estado chegou a registrar quantas internações? Elas aconteciam apenas em comunidades terapêuticas? Há os dados de quantas eram compulsórias e quantas involuntárias? Atualmente, como estão esses números?
Resposta. O crescimento das internações compulsórias vem sendo vivido em várias regiões do país, não apenas no Espírito Santo e ganha maior visibilidade a partir de ações de internações em massa, como a que ocorreu em 2017 na Cracolândia em São Paulo.
No Espírito Santo, o volume vem crescendo e em agosto, a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) já registrava 931 mandados judiciais para internação compulsória em saúde mental durante o ano de 2018. A prioridade para as internações é de que sejam feitas em leitos da rede própria ou da rede conveniada ao SUS. Na ausência desses (ou seja, quando todos os leitos estão ocupados), e diante de uma ordem judicial, a Secretaria realiza a compra de leitos em instituições privadas, que até 2017 podiam ser Comunidades Terapêuticas ou não.
Não temos os dados de quantas dessas internações eram compulsórias e quantas eram involuntárias. Normalmente, na ordem judicial consta que se trata de internação compulsória e, muitas vezes, até mesmo o laudo médico solicita a internação compulsória. Mas ao conhecer o caso, observamos que a maioria se trata de internação involuntária, já que o paciente tem família e a internação foi solicitada por um profissional/serviço de saúde responsável por seu acompanhamento.
CRP-16. Sobre investimentos da Sesa, foi informado que a metade do investimento seria para pagar internações compulsórios.
São investimentos da área de Saúde Mental apenas ou da Secretaria? Qual o valor desse investimento? Falando nessa questão, em se tratando de saúde mental, a Sesa tem alguma parceria público-privada?
Resposta. Desde 2015, o gasto da Sesa com internações compulsórias em saúde mental fica em torno de R$ 30 milhões ao ano. O valor de 2018 ainda não foi fechado, mas é possível que seja mais alto que nos anos anteriores.
O investimento inclui serviços como Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT) de gestão estadual, leitos de saúde mental em Hospitais Gerais, Hospitais Psiquiátricos e profissionais de saúde mental que atendem em diferentes serviços.
CRP-16. Sobre a mudança que começou a ocorrer a partir de 2017, levando a redução das internações.
Por que a Sesa decidiu não fazer mais internações compulsórias e involuntárias? Como foi esse trabalho? Qual era a situação das comunidades terapêuticas visitadas? E a situação das/os profissionais que atuavam nesses locais, em especial da Psicologia? Atualmente, o Estado registra quantas comunidades terapêuticas?
Resposta. A Secretaria não decidiu não fazer mais internações compulsórias. As internações compulsórias são feitas por meio de decisão judicial, então não cabe à Secretaria a decisão de fazer ou não esse tipo de internação, trata-se do cumprimento de ordem judicial. Em alguns casos, é possível recorrer, mas é comum que o prazo para cumprimento seja bem curto. Algumas ações têm sido realizadas na tentativa de reduzir esse volume, como seminários junto ao Poder Judiciário, adequação do fluxo regulatório interno e publicação de instrumentos que orientam a assistência em saúde mental, como o Protocolo de Classificação de Risco em Saúde Mental (disponível no site da SESA) e as Diretrizes Clínicas em Saúde Mental.
O trabalho desenvolvido foi no sentido de extinguir as internações involuntárias e compulsórias em Comunidades Terapêuticas (via Sesa). Como informado, em novembro de 2017, haviam 394 pacientes internados em sete Comunidades Terapêuticas no Estado, pela Sesa. Desde então, a Secretaria não realizou novas internações nesses estabelecimentos e iniciou um trabalho de avaliação dos pacientes. Dois médicos psiquiatras foram designados para essa função e visitaram as instituições avaliando os pacientes. Após esse trabalho, os pacientes que, por alguma razão não estavam de alta terapêutica, foram transferidos para outros estabelecimentos. 14 pacientes foram transferidos, sendo que a maioria precisou de transferência para adequação medicamentosa ou porque tinham questões sociais que dificultavam a efetivação da alta (família ou município de origem com dificuldade para reintegrar, por exemplo). Dois deles estavam em condições de alta, mas foram transferidos porque o mandado judicial que determinou sua internação atrelava a alta à autorização judicial.
CRP-16. Desde novembro de 2018 não existem mais pacientes internados pela Sesa em Comunidades Terapêuticas. No entanto, observamos que alguns municípios do estado ainda fazem internações involuntárias/compulsórias nesses estabelecimentos.
A atual política (de redução das internações) é política de Governo ou de Estado? Segundo o Lúcio Costa (perito que atuou nas inspeções), a previsão da internação compulsória está no Código Penal, e no caso essa política da Sesa, ela se ampara em quê?
Além disso, a portaria da Sesa, 59-R de 31 de outubro de 2017, regula o funcionamento das comunidades terapêuticas. Há alguma questão em torno dela? Por fim, gostaria que você abordasse sobre a normativa do CFM, resolução 2.056/2013, que é “relevante para o que o Conselho Federal de Medicina faz, mas não é suficiente”? E se possível comentasse, em comparação à normativa do CFM, o posicionamento do Federal de Psicologia de não considerar as comunidades terapêuticas como estabelecimentos de saúde.
A realidade que estamos vivenciando é relativamente recente. Então, essas medidas dizem respeito à atual gestão, mas apostamos que ações que representam avanços devem continuar nos próximos anos e ser tratadas como política de Estado e não de Governo.
Na verdade, a previsão da internação compulsória está na Lei Federal nº 10.2016, de 2001, que definiu os tipos de internação psiquiátrica (Artigo 6º): voluntária, involuntária e compulsória, sendo esta última definida apenas como “aquela determinada pela justiça”. Em seu Artigo 9º postula ainda que o juiz competente, ao determinar a internação compulsória, “levará em conta as condições de segurança do estabelecimento, quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados e funcionários”. Há o entendimento, tanto na área da saúde, como entre atores do poder judiciário, de que a internação compulsória é um recurso extremo do qual só se deveria lançar mão quando diante de pessoa com transtorno mental autora de ato infracional ao qual não reúna condições para responder/responsabilizar-se, e que seu uso atual vem se dando de forma insdiscriminada e constitui uma violação de direitos, mas esse entendimento não é consenso.
Quanto à Resolução 2.056/2013, do CFM, ela estabelece critérios para autorização de funcionamento dos serviços médicos de quaisquer natureza e estabelece critérios mínimos para seu funcionamento. Difere comunidades terapêuticas não médicas (acolhedoras) de comunidades terapêuticas de natureza médica, definindo, por exemplo, que nestas deverá ser assegurado “plantão médico presencial durante todo o seu horário de funcionamento, e presença de médicos assistentes e equipe completa de pessoal”, entre outros pontos. Já as comunidades terapêuticas não médicas são vedadas de realizar prescrições médicas e internações involuntárias e compulsórias. É um importante instrumento para os Conselhos de Medicina, que devem fiscalizar o funcionamento desses estabelecimentos, inclusive o exercício da medicina nestes, com base nessa Resolução. Mas a Resolução não trata de aspectos como os projetos terapêuticos e da inserção de outros profissionais.
Além desta normativa, existe a RDC nº 29, de 2011, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que regulamenta aspectos sanitários desses estabelecimentos e define que as instituições devem garantir a permanência voluntária de seus residentes. Não há definição legal de equipe profissional mínima necessária ao funcionamento das Comunidades Terapêuticas, havendo exigência apenas de responsável técnico de nível superior legalmente habilitado e profissional que responda pelas questões operacionais (podendo ser o próprio responsável técnico).
A autorização para o funcionamento desses estabelecimentos atrela-se à emissão de Alvará Sanitário emitido pela Vigilância Sanitária do município onde se localiza (caso o município não possua gestão plena, o Alvará deve ser emitido pela Vigilância Sanitária Estadual).
Além disso, as Comunidades Terapêuticas são citadas na Portaria que institui a Rede de Atenção psicossocial (Raps), Portaria nº 3.088, de 2011, hoje revogada por consolidação na Portaria de Consolidação nº 3, promulgada em setembro de 2017. Nesta, são definidas como “serviços de atenção em regime residencial, destinados a oferecer cuidados contínuos de saúde, de caráter residencial transitório por até nove meses para adultos com necessidades clínicas estáveis decorrentes do uso decrack, álcool e outras drogas” e devem atuar de maneira integrada à Atenção Básica e ao Centro de Atenção Psicossocial (Caps) de seu território.
Observa-se a carência de normativas que estabeleçam de maneira clara os critérios de funcionamento das Comunidades Terapêuticas no que tange a recursos humanos, procedimentos a serem executados e procedimentos de monitoramento e fiscalização, por exemplo. Mas das normativas aqui citadas podemos extrair o entendimento de que esses estabelecimentos não estão aptos a receber internações involuntárias ou compulsórias.
Quanto à Portaria Estadual 059-R, de 2017, ela não regulamenta o funcionamento de Comunidades Terapêuticas, mas de clínicas especializadas em internação em saúde mental, definindo critérios como aspectos sanitários, aspectos técnicos, itens dos Projetos Terapêuticos Institucionais, de recursos humanos, entre outros. Além desta Portaria, essas instituições devem obedecer a Resolução RDC nº 50/2002, da Anvisa. Fica definido assim que as internações em saúde mental serão realizadas em Hospitais da rede própria ou conveniada ao SUS e, apenas na ausência de vagas nesses estabelecimentos, em clínicas especializadas da rede privada.
CRP-16. Tem mais alguma coisa?
A Área Técnica Estadual de Saúde Mental entende o grande volume das internações compulsórias como um grave retrocesso na Política de Saúde Mental e se preocupa ainda mais pelo fato de que muitos desses pacientes têm sua internação determinada sem o devido esgotamento dos recursos extra-hospitalares de seu território, direito assegurado pela Lei 10.216. Em alguns casos, vemos que nenhum serviço territorial foi acionado antes da internação, o que deixa claro que essas medidas não possuem caráter terapêutico, como deveria ser em qualquer ação de saúde. Entendemos também que há muito ainda em que se avançar e o Estado, como um todo, incluindo os entes municipais, e os poderes legislativo e judiciário, tem que enveredar esforços conjuntos no sentido de diminuir as internações compulsórias e de melhorar a assistência em saúde mental.