Envelope laranja e branco Impressora laranja e branca Mapa do Site Tamanho da Fonte Ícone de + para aumentar a fonte Ícone de A para retornar à fonte padrão Ícone de + para diminuir a fonte Contraste Ícone habilitar contraste Ícone desabilitar contraste
Logo do Conselho Regional de Psicologia

Como avaliar os impactos do atentado de Aracruz?  

Postado no dia 10 de março de 2023, às 15:41

Confira a entrevista com o psicólogo Bernardo Dolabela Melo que esteve no município para participar do seminário do CRP-16

Bernardo fala ao público presente no seminário realizado em Aracruz

Como podemos avaliar os impactos em quem foi atingido por uma situação como os atentados a duas escolas em Aracruz, em novembro de 2022? O Seminário “Diálogos sobre a Psicologia e os impactos dos discursos de ódio”, que o CRP-16 realizou no dia 10 de fevereiro, no município no Norte do Estado, pode ajudar a responder à questão.

O evento contou com palestras de profissionais especialistas em gestão de riscos e desastres, mas também com relatos de trabalhadores que atuam nos serviços.

Nesses relatos, o CRP-16 tomou conhecimento de que funcionários da Escola Primo Bitti, em Coqueiral de Aracruz, teriam solicitado remoção para outra unidade educacional. A solicitação teria ocorrido por eles terem sido expostos a situações que fogem bruscamente de sua rotina de atuação, no dia seguinte ao atentado. Mas também por terem sido testemunhas diretas do ocorrido e porque eles não queriam voltar a trabalhar no local onde aconteceu o ataque.

Isso mostra que os grupos de pessoas atingidas vão muito além das vítimas fatais, de seus familiares e de quem testemunhou o ataque.

“É um pouco difícil estabelecermos limites para definir quem foi atingido e quem não foi, visto que mesmo pessoas que não estavam no local podem ser afetadas”, explica o membro da Comissão de Psicologia Orientativa de Emergências e Desastres do CRP-MG, Bernardo Dolabella Melo (CRP-04/35.566).

 

Público acompanha palestra do seminário em Aracruz, no Norte do ES

Psicólogas nas escolas. O que aconteceu em Aracruz traz à tona a importância de o poder público investir recursos para as cinco fases da gestão de riscos e desastres: prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação.

Um investimento que pode ser feito nesse sentido é a implementação da Lei Federal 13.935/2019, que prevê psicólogas e assistentes sociais nas redes públicas de educação básica no Brasil.

“A implantação da Lei Federal deve ter como foco não a atuação na resposta e recuperação, mas sim na prevenção, mitigação e preparação”, assinala o psicólogo, que é conselheiro estadual e coordenador do setor Psicossocial da Cruz Vermelha Brasileira – Filial Minas Gerais.

Bernardo Dolabella Melo esteve em Aracruz, no seminário promovido pelo CRP-16 em parceria com os Conselhos Regionais de MG, RJ e SP e com o Conselho Federal de Psicologia. Ele participou da mesa “Atuação Profissional nas Emergências e Desastres: Compreensões da Psicologia”. 

Abaixo, confira a entrevista com o psicólogo.

Como que podemos avaliar o impacto, direto e indireto, a quem é atingido numa situação como a que ocorreu em Aracruz?
É um pouco difícil estabelecermos limites para definir quem foi atingido e quem não foi, visto que mesmo pessoas que não estavam no local podem ser afetadas. Para definirmos algum limite, podemos pensar nos grupos de pessoas atingidas, começando pelo grupo central e expandindo.

Então no caso da Aracruz, teríamos:

– Primeiro grupo – As testemunhas oculares, que seriam as pessoas que estavam nas escolas no momento do atentado;

– Segundo grupo – Pais dos alunos das escolas, assim como alunos, professores e funcionários dessas escolas que não estavam no local no momento;

– Terceiro grupo – Alunos, professores e funcionários de outras escolas de Aracruz. Aqui já temos um efeito que começa a ser indireto, mas mesmo não existindo um vínculo direto dessas pessoas ao local dos atentados, existe uma semelhança significativa, que permite uma identificação com as vítimas;

– Quarto grupo – Comunidade de Coqueiral de Aracruz e profissionais que atuaram na primeira resposta;

– Quinto grupo – Município de Aracruz.

Todos esses grupos podem apresentar sofrimento significativo, e devem ter a possibilidade de solicitar atendimento e acompanhamento psicológico. Somente a partir desses atendimentos iniciais que é possível avaliar o impacto.

Bernardo: “Se o sofrimento que ela apresenta não for acolhido, ele pode evoluir para algum transtorno psicopatológico severo”

Qual a importância de que seja oferecida uma assistência adequada a quem está envolvido numa situação como essas?
Quando ocorre alguma crise humanitária, um desastre ou um atentado, existe um potencial significativo de sofrimento, e de reações que fogem ao comportamento normal daquela pessoa. Consideramos essas reações como reações normais diante da situação anormal, mas isso não diz que essa pessoa não deva ser cuidada.

Se o sofrimento que ela apresenta não for acolhido, ele pode evoluir de sofrimento para algum transtorno psicopatológico severo, incluindo transtornos depressivos e ansiosos, surgimento de fobias diversas, abuso de álcool ou outras substâncias, transtorno do estresse pós-traumático, ou mesmo o desencadeamento de quadros psicóticos.

O atendimento realizado nos primeiros dias após o evento permite que essa pessoa tenha ferramentas para lidar com a carga de sofrimento e consiga elaborá-lo sem o desenvolvimento da psicopatologia, que pode demandar anos de tratamento e possuir efeito incapacitante.

Essa assistência adequada faz parte de quais fases da atuação em emergências e desastres?
Quando falamos da gestão de riscos e desastres, possuímos cinco grandes fases: prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação. As três primeiras fases ocorrem antes do desastre, e as duas últimas após o desastre. Então essa assistência ocorre nas duas últimas fases, de resposta e recuperação.

O ideal é que essa assistência contemple toda comunidade escolar?
Sim! Não necessariamente todas as pessoas vão necessitar da assistência, mas todas as pessoas devem ter a possibilidade de acessá-la.

Essa assistência teria um tempo determinado para ocorrer?
Não existe um limite de tempo para que a assistência possa ocorrer, mas quanto mais tempo decorrido, mais complexo fica o quadro, podendo passar de um sofrimento psíquico para um quadro psicopatológico. Idealmente essa assistência deve estar disponível o mais rápido possível, observando o cenário e as necessidades da população naquele momento.

Psicólogo explica como deve ser a presença da Psicologia nas escolas, de acordo com a Lei 13.935 


A implantação da Lei Federal 13.935/2019 pode ser um caminho para que essa assistência seja oferecida?
A implantação da Lei Federal deve ter como foco não a atuação na resposta e recuperação, mas sim na prevenção, mitigação e preparação. A presença das psicólogas nas escolas deve ter como um de seus focos de trabalho a conscientização sobre os impactos dos discursos de ódio e a construção de um ambiente acolhedor para alunos, professores e funcionários das escolas.

Então a presença do profissional de Psicologia deve auxiliar na construção das estratégias de prevenção. No advento de um atentado na escola, esse profissional de Psicologia, por mais qualificado que seja, estará entre os atingidos, e por isso primeiramente ele deve ser cuidado, para que possa eventualmente cuidar das outras pessoas envolvidas.

Tem mais alguma coisa?
Acho importante reforçar que atentados em escolas são uma situação bastante complexa, e que não existe nenhuma solução simples para evitar sua ocorrência, e nem uma forma simples para lidar com as consequências. O profissional de Psicologia tem um papel importante na construção da prevenção e do cuidado, mas esse papel não é exclusivo da psicóloga. A construção do cuidado que permite a prevenção deve envolver toda a comunidade escolar.

Os comentários não refletem a opinião do CRP-16 sobre o assunto e são de inteira responsabilidade de seu autor, que poderá responder à Justiça caso cometa injúria, calúnia, difamação ou agressão a outrem e a esta autarquia, conforme os Termos e Condições de Uso do site.

...