Confira a íntegra do pronunciamento da presidente do CRP-16 no Dia da(o) psicóloga(o)
Andréa leu texto da profissional Cynthia Ciarallo, no evento realizado na Ales, em Vitória, em 27 de agosto
“Neste ano em que a Psicologia completa 50 anos de profissão com o tema “muito a comemorar, muito mais a fazer”. A psicologia foi inventada e reinventada nesses 50 anos, não tenhamos dúvidas. E no dia de hoje, ao pensar meu discurso, me lembrei de um convite à reflexão, feito por uma amiga, psicóloga de Brasília. Cynthia Ciarallo, assim escreveu”:
Há lembranças inglórias, como nossa participação nos porões da ditadura – mesmo que talvez bem intencionados pelo bastião da chamada segurança nacional; nosso envolvimento nos processos de categorização social geradores de discriminação e preconceitos, na escola, no trabalho. Sim, há o que não se orgulhar.
Todavia, com a redemocratização do país novos desafios se impuseram, novos lugares, práticas, saberes e projetos para profissão ganharam espaço com a incorporação dos direitos humanos no ordenamento social, político e jurídico brasileiro. Desta forma, a Psicologia não poderia se alienar deste projeto coletivo de sociedade.
O humano é o nosso desafio. Ele é movimento. Logo, necessitamos de uma Psicologia também em movimento, uma Psicologia crítica e autocrítica que tenha uma leitura do presente, porém sem também esquecer o passado para projetar o futuro.
O crescente aumento do individualismo enquanto valor tem gerado discursos falaciosos e oportunistas acerca de uma suposta insegurança localizada em um outro; discursos esses que tem se aproximado da Psicologia, convidando-a para atuar a partir de rotulações para adequação, acomodação.
Assim, meu convite hoje é para a subversão desta ordem que ainda nos seduz para atuarmos como agentes de controle. Não queremos este lugar, estou certa. Portanto:
Não à medicalização domesticadora que traveste por vezes nossa incompetência em atualizar as demandas do tempo presente. Em um contexto de tantos estímulos e informações não podemos esperar crianças inertes, prontas para o domínio adulto. Criança educada para nós não pode ser sinônimo de criança obediente, mas de criança reflexiva, sujeito de direitos, que pensa e dialoga com seus tantos recursos com um mundo ainda não preparado para ela, é verdade.
Não à judicialização, que tem mediado as relações sociais de maneira terceirizada, como se o mundo das leis fosse a única e/ou melhor alternativa para resolução de conflitos. Não precisamos de mais leis, precisamos de pessoas em condições plenas de cidadania, fortalecidas pelo laço social e protagonistas na resolução de conflitos.
Não à naturalização de práticas e saberes. Precisamos incentivar a inovação, a diferença e compreender processos subjetivos que nos faz tão singulares e tão comuns.
Não ao liberalismo como modelo de análise da ação humana, tratando o indivíduo como se fosse uma entidade em si mesma, descolado da história, da cultura. Nós nos constituímos nas relações sociais, então, cabe à Psicologia estender seu foco de atuação para além do indivíduo.
Não à patologização que rotula, que formula o ideal de saúde ancorado na moral do ajuste/desajuste, do bom/ mal. Cria a ficção de que há os sãos e os insanos – onde estamos nós? – excluindo dessa análise questões que são inerentes ao próprio processo civilizatório.
Não ao corporativismo insólito, ensimesmado, que traz o engodo de que o conhecimento do humano pode ser dividido em lotes, partes, aos saberes, às profissões. O sujeito é integral e demanda cuidado integral.
Deste modo, urge que saibamos trabalhar para um projeto de sociedade comum, construído coletivamente, com distintos atores implicados. A profissão não pode estar a serviço dela mesma.
Urge zelar para que nossas práticas e saberes, mesmo bem intencionados, não violem direitos, silenciem pessoas. Devemos sim, ser megafones da diversidade, da pluralidade.
Assim, olhando para a psicologia brasileira nestes cinquenta anos hoje comemorados, de fato há muito o que celebrar. Estou certa de que nos (trans)formamos em multiplicadores da efetivação dos Direitos Humanos, logo, profissionais atuantes no combate às violações que mortificam direitos e desrespeitam a condição de seres humanos.”
E com as potentes palavras de Cynthia, parabenizo a todas e a todos que aqui estão. Realmente ainda há muito a fazer! Continuemos com flores e carinho, por que sem esse perfume, a vida fica muito cruel!