“Quando ele chega na prática do ato infracional, nós – o Estado, já falhamos”
Juiz Vladson Bittencourt expõe falha do poder público ao falar sobre adolescentes em conflito com a lei, durante encontro do Crepop para entrega de referências
Ainda de acordo com o magistrado, as medidas socioeducativas em meio aberto permitem a ressocialização exatamente onde ela tem de acontecer – no meio da sociedade.
“As medidas Socioeducativas em Meio Aberto são aquelas que permitem o jovem de reconhecer o seu erro. Como se pode falar em ressocializar tirando-o da sociedade? Não faz muito sentido. É como se tirasse alguém da escola por não saber ler”, questionou.
O juiz expôs sobre o tema durante o encontro do Crepop/CRP-16, em que foi realizada a entrega coletiva das referências técnicas a profissionais que atuam no Sistema Prisional e em Medidas Socioeducativas em Meio Aberto.
O evento lotou o auditório da Secretaria Municipal de Cidadania e Direitos Humanos (Semcid), na Casa do Cidadão, em Vitória, nesta quarta-feira, 26. Além de psicólogas e psicólogos, assistentes sociais e operadores do Direito também participaram do encontro.
Construção
A primeira mesa redonda do encontro trouxe as psicólogas Maria Márcia Badaró Bandeira e Hebe Signorini Gonçalves, que colaboraram na construção das referências técnicas para o Sistema Prisional e para os Programas Socioeducativos em Meio Aberto, respectivamente.
Elas mostraram os avanços e embates no processo de construção das referências.
“Construir a comissão “ad hoc” (que elaborou o documento) não foi uma coisa fácil, pois tem gente de todo o País. Pode parecer que quando surgem essas referências, alguém pode achar que elas caem do espaço. Mas não é bem assim. A pauta do psicólogo no Sistema Penitenciário vem sendo discutida há anos”, afirmou Márcia Badaró.
Ela atuou no sistema prisional no Rio de Janeiro e contou sobre as dificuldades de se elaborar as referências, problematizando as relações entre os demais profissionais que atuam na área, as mudanças nas leis com o passar dos anos, bem como os encontros e fóruns para aprofundar o debate.
A psicóloga se espantou quando fez uma pergunta aos presentes no auditório. “Quantos são concursados aqui que atuam no Sistema Prisional? (Apenas uma psicóloga levantou a mão).
Diante disso, ela questionou: “Como fazer uma política que requer uma transformação em longo prazo numa situação de contratos temporários, que fragiliza a luta política das pessoas”?
Sistema falido
A psicóloga Hebe Gonçalves atua como coordenadora de programa para adolescentes em conflito com a lei no Rio de Janeiro. Ela falou sobre relatórios de diagnósticos do Sistema Socioeducativo, que foram feitos, por diversas organizações, no início dos anos 2000, cerca de 10 anos após a entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente – Ecriad.
“Eles (diagnósticos) trazem uma unanimidade: que é a falência do Sistema Socioeducativo. E não há privilegiados nessa história. O Espírito Santo está mal. O Rio de Janeiro, o Pará. Está todo mundo mal na foto. Todo o sistema socioeducativo está falido. E não é local. É nacional”, afirmou.
Ela também citou os trabalhos de construção da referências, mostrando a dificuldade de inserção do adolescente em conflito com a lei, mesmo no Meio Aberto.
“A gente trouxe para dentro da norma técnica, o depoimento de colegas que relatam que os médicos nas unidades hospitalares, dizem: é menor infrator, então não vou atender. De não conseguir matrícula em determinada escola, por ter cumprido pena. É real e é real pelo Brasil inteiro. Se a gente tecia crítica aos códigos de menores, antes do Ecriad, é que esses códigos não garantiam direitos desses menores. Quando promulgamos o Estatuto, a gente acreditou que estava vendo uma revolução nessa área”, argumentou.
Para Hebe, “tão assustador quanto verificar que escola recusa o adolescente, e que médico recusa atendimento a esse adolescente, é verificar que alguns colegas psicólogos não veem problemas éticos no decorrer da medida”
Perspectiva jurídica
A segunda mesa redonda fez o diálogo sobre a perspectiva jurídica. Além do juiz Vladson Couto Bittencourt, a promotora e secretária-geral da Procuradoria Geral da Justiça no Espírito Santo, Luciana Andrade, também expôs sobre sua atuação na área.
Para ela, deve-se acabar determinados discursos que acontecem no meio.
“É triste ouvir como promotor o que já ouvi – ‘olha é muito fácil ficar lá no gabinete’. De fato, ficamos mais no gabinete, mas a presença do Ministério Público se tornou mais constante. Talvez ainda não o ideal”, frisou.
Segundo Luciana, também é importante acabar com os estereótipos. “Precisamos nos despir desses paradigmas (de que o promotor só está ali para prender ou ficar no gabinete) para visualizar um Sistema Prisional e Socioeducativo melhor”, apontou a promotora.
No debate, conduzido pela conselheira do CRP-16, Danielle Merlo, os trabalhadores e trabalhadoras presentes ao encontro puderam expor suas dúvidas e questionamentos acerca das palestras, enriquecendo o evento.
Abertura
A mesa de abertura do encontro contou com a presença da presidente do CRP-16, Adriana Salezze; do secretário de Justiça do Espírito Santo, Sérgio Alves Pereira; do diretor-presidente do Instituto Socioeducativo do Espírito Santo (Iases), Lindomar José Gomes; e do secretário municipal de Cidadania e Direitos Humanos, Marcelo Nolasco.
“O objetivo do Crepop é fortalecer o compromisso social da Psicologia dentro das políticas públicas de uma forma cada vez mais ética. E que essa seja uma oportunidade de aproximação entre CRP-16, Iases e Sejus. E que sejamos multiplicadores da nossa luta diária pelos direitos humanos”, disse a presidente do Conselho, em seu discurso que abriu os trabalhos do evento.